No Dia Internacional da Mulher, o CSEM homenageia a todas as mulheres e em especial as que superam diversas barreiras frente aos desafios da decisão migratória.
Por Carmem Lussi – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios
Às vezes é a irmã mais velha que parte, porque tem que assumir a responsabilidade pela família…
Outras vezes é a irmã menor que vai, pois tem que ser ela mesma a prover por si…
Mas tem muitas vezes que é a mãe que vai embora, apesar da dor de uma maternidade que não admite deixar ninguém para trás…
Mas aí vai também aquela solteira, com esperança que a sina não seja de desgraça para sempre…
E tem ainda a esposa e a companheira e a amigada. Elas precisam sobreviver e a única estratégia encontrada é escapar, custe o que custar será menos do que ficar…
Quando ele já se foi, ou nunca esteve presente de fato, com apoio ou com ilusão de apoio, às vezes tem mesmo é que partir!
QUANDO É ELA QUEM PARTE, quantas barreiras a superar…
…na família de origem, ai! Só pode ir se for para ajudar os outros, não é legítimo partir pensando em si mesma. Você foi criada para cuidar (de outros e outras).
…no contexto de origem, ai! Porque você quer ser diferente e tomar uma atitude de resistência aos males que todas suportamos? Partir é morrer? Talvez. Mas é antes de tudo um ato de existência. Se ela vai tem um motivo, mesmo que não saiba quanto isso vai custar!
…na hora de conseguir recursos para partir, ai! A dívida, você não sabe, pode te custar a liberdade e a paz da família, por anos sem fim!
…na fronteira seca, onde tem que enfrentar os monstros sobre os quais não tinha como tomar ciência antes de sair, você descobre que a porta de saída tem a marca do órgão genital feminino, sem deixar passar por ele, você não passa por ela. Agora sabe um pouco mais sobre o preço a pagar para migrar, mas a conta ainda não está completa.
…na outra fronteira, o representante da lei, normalmente um homem, oferece serviços que se paga com sexo abusado ou com chantagens sobre os entes queridos ou ainda com roubo do pouco que resta para chegar ao destino.
…e quando a gravidez pelos abusos e violências mal suportadas se anuncia, não importa se o marido que te esperava no destino não tinha dinheiro e contatos para que você viesse de avião e sem riscos, ele não vai entender. E a maternidade vira condenação, ao invés de bênção.
…e quando chega no país ainda assim a luta não termina, só muda. Se for negra é puta ou prostituta. E se for branca é estúpida. E se não ter cor estigmatizada, tem sotaque, tem roupa que marca a diferença, tem modos de ser que você não sabe e muita solidão, que não tem como contar.
QUANDO É ELA QUEM PARTE, tem resistência e tem ousadia.
Quando é ela quem emigra, tem sabor de vitória, porque precisa coragem e muita força interior para conseguir implementar um projeto desse tipo.
Quando é ela quem vai, ela leva consigo pedaços da família que ficam grudados em seu corpo físico ou emocional, e ela não sabe se desfazer.
Quando é ela quem encabeça o projeto migratório, todo o corpo da família conta com retornos, que pesam mais que uma gravidez, muito mais, porque são muitos dependentes ao mesmo tempo.
Quando é ela quem vai depois, ela tem que ser dependente pra sempre, para agradecer o serviço de quem favoreceu sua chegada, mas sem os direitos conquistados por quem emigrou para desenvolver seu próprio projeto.
Quando ela vai com filhos, ela não tem direito a ser adulta e cidadã, é dever dela ser mãe full time… seus filhos e filhas não fazem parte da sociedade onde ela chegou.
Quando ela parte… e o irmão especial ou a mãe doente ficam para trás… que direito ela deveria querer ter de vida para si? Ela pôde emigrar, tem obrigação de prover pelas necessidades da família!
QUANDO É ELA QUEM PARTE…
Ela emigra, busca refúgio, imigra, ousa dar passos… a resistência ganha contornos, a ousadia se veste de alegria, a força interior se mostra em corpos de mulheres e meninas discretas e focadas em seus objetivos e a criatividade baixa em mentes e corações sedentos de futuro.
Quando é ela quem migra, o mundo se transforma, porquê a agência de uma mulher que tem capacidade de fazer-se migrante é uma bomba a tempo: antes ou depois ela revoluciona a sua vida e a de quem tem humildade e sabedoria para fazer parte da vida dela.
Brasília, 08 de março de 2018.