Scalabriniana vai a Beira e relata situação após passagem do ciclone IDAI em Moçambique

 

POR ROSINHA MARTINS

DE SÃO PAULO – SP

 

IMPRENSA SCALABRINIANA | 08.04.2019 | Em um artigo carregado de humanidade, compaixão e paixão pela missão junto aos migrantes e refugiados em Moçambique, a secretária Geral da Comissão Episcopal para Migrantes e Refugiados em Moçambique, a scalabriniana, Irmã Marinês Biasibetti, após passar alguns dias em missão em Beira-Moçambique, relata a situação na qual se encontra o país após passagem do ciclone IDAI que devastou o país, e de maneira mais crítica a cidade de Beira. “Apesar do sofrimento as pessoas carregam em seu semblante motivos para sorrir e agradecer, pois suas vidas foram preservadas, portanto a missão de cada um contínua em meio a dor, mas na certeza de que Deus não os abandonará”, diz parte do texto.

Leia a íntegra do artigo:


Marcas do Ciclone IDAI – Sofrimento e Esperança

POR MARINÊS BIASIBETTI
DE MOÇAMBIQUE – AF


 


A passagem do ciclone IDAI

 

Ciclone IDAI, um fenômeno natural, que atingiu a zona centro de Moçambique nos dias 14 e 15 de Março 2019, considerado a maior tragédia já registada na Província de Sofala, embora o fenômeno também tenha atingido as Províncias de Manica, Tete, Zambézia e Inhambane.  IDAI com ventos de 200 a 220/h e chuvas torrenciais assolaram a cidade da Beira e cidades próximas, arrasando o distrito de Buzi, afetou aldeias, culturas, provocando desabamento de casas, destruindo o teto de 95% das residências, arrancou e derrubou árvores de centenas de anos, semeou muita dor, tristeza, luto em milhares de famílias que além de perder suas pequenas propriedades viram a fúria da água arrastar seus próprios familiares, alguns perderam  5 a 8 membros da mesma família. Na tentativa de salvar suas vidas as crianças, idosos e todos os que tiveram mais sorte refugiaram-se encima das casas ou das árvore, em prédios altos e seguros, onde permaneceram horas e dias intermináveis a espera do resgate e uma nova oportunidade para continuar com vida. Muitos foram resgatados alguns dias depois por meio de barcos e helicópteros os quais também se encarregavam de alcançar algum tipo de alimento para os que se encontravam em árvores ou nos telhados,  muitos no desespero pela comida acabavam por cair e ser arrastados pelas águas, que em questão de horas durante a noite alcançou mais de 3 metros de altura. De onde veio tanta água e tão de repente? Esta é a pergunta que não quer calar. Milhares de pessoas ficaram e ainda estão desabrigadas, sobrevivendo da caridade, da solidariedade da ajuda humanitária que muito rápido se fez sentir, mas que infelizmente grande parte  não chega onde e para quem deveria chegar.

 

A situação atual de Beira


 

Atualmente na Beira e nos distritos atingidos foram armados dezenas de centros de acomodação, alguns com mil outros até três mil pessoas vivendo em precárias tendas, com uma refeição diária, em condições desumanas sem saneamento básico, muitas crianças já estão doentes de cólera, malária, constipação, provocando mais mortes e luto nas famílias moçambicanas. Mais de 50% da população de Moçambique e Sofala em particular já viviam em situação de pobreza, agora a miséria se instalou e infelizmente irá permanecer por muitos anos se as autoridades Nacionais com ajuda dos parceiros Internacionais não tomarem medidas a curto, médio e longo prazo para a reconstrução e o desenvolvimento integral  destas populações.

Neste cenário de vulnerabilidade já se verifica muita pobreza, criminalidade, migração, deslocamentos, tráfico de seres humano e outras tantas consequências ainda imprevisíveis. Apesar do sofrimento as pessoas carregam em seu semblante motivos para sorrir e agradecer, pois suas vidas foram preservadas, portanto a missão de cada um contínua em meio a dor, mas na certeza de que Deus não os abandonará.

A experiência com os desabrigados como missionária scalabriniana e como representante da Igreja

Como Missionárias Scalabrinianas, em representação da Comissão Episcopal para Migrantes, Refugiados e Deslocados, CEMIRDE, nos fizemos presentes e lá estive 08 dias em solidariedade, de maneira especial prestando minha ajuda e vivendo minha missão nos campos de acomodação, em 3 dos muitos que existem. Descrever tudo o que vi, ouvi, senti e vivi neste tempo, será impossível, mas estou eternamente agradecida a Deus e a tantas pessoas que por meio de seu apoio tornaram possível estar junto e partilhar as angústias e esperanças da maioria que não sabe por onde recomeçar, pois perderam tudo do pouco que possuíam, apesar das dificuldades que sempre existiram. O mais difícil na reconstrução, são os traumas profundos, nesta tragédia milhares de pessoas perderam a vida, dezenas  de corpos continuam desaparecidos, outros tantos aparecem na medida que a água vai baixando. A dor de assistir com impotência os filhos ou os pais serem levados pela fúria das águas nem mesmo o tempo poderá apagar.

 

Silenciar e rezar também se faz necessário

 

 

Minha missão além de conversar com representantes de algumas organizações parceiras no trabalho e coordenar ações,  dedicava a maior parte do tempo nas visitas as tendas para ouvir e conversar, muito rápido as pessoas se aproximavam e desejavam partilhar a mesma história, mas cada um com uma experiência única. Depois de longas conversas o ambiente era propício para silenciar, refletir e rezar, mas também me sentia impelida a dirigir algumas palavras de esperança e encorajamento, alguns pediam para rezar juntos. Em vários momentos as lágrimas se misturavam com as palavras mas no final do encontro eles e eu nos sentíamos mais confortados. Até mesmo as crianças na sua simplicidade e inocência sabem definir quem foi IDAI.

Aprendi muito com eles e me perguntava, onde encontram tanta fé, força e coragem para seguir com esperança? A resposta é sempre a mesma: em DEUS.

Passados 20 dias, IDAI é o nome mais falado dentro e fora de casa. A grande preocupação atual é a eclosão de doenças, especialmente a cólera que já fez dezenas de óbitos, infelizmente as condições de higiene, o lixo espalhado por todo lado a falta de medidas preventivas, má alimentação tudo contribui para aumentar o sofrimento desses nossos irmãos.

Recomeçar na esperança

 O dia a dia na Beira vai as poucos voltando sua rotina, no trabalho e no comércio, as crianças estão frequentando a escola ainda que sem material, sem alimentação básica, sem estrutura psicológica e emocional mas o reencontro com colegas e professores poderá amenizar o sofrimento.

Os rostos continuam tristes, assombrados, inseguros, debilitados, com medo, mas não passava muito tempo sem receber um sorriso, um aperto de mão como dizendo sobrevivi e de agora em diante a esperança em dias melhores é  a maior arma para vencer o desânimo e prosseguir para cuidar das crianças órfãos de pai e pais órfãos de seus filhos.

 

Apelo à Congregação e à Igreja

 

 

Como Igreja em saída, à Congregação, comprometida na promoção e dignidade humana, fica um renovado apelo em unir esforços com amor e compaixão para partilhar o que temos com aqueles que tudo perderam encarnando também nesta realidade o evangelho. “Sempre que fizestes isso a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizeste.”

Fonte: mscs

 

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