Movimentos migratórios são inerentes à condição humana. Os contextos sociais e históricos e as histórias de vida que levam as pessoas a deixar seu lar rumo ao desconhecido são os mais variados.
Expectativa é de que a nova Lei de Migração contribuirá para desburocratizar a regularização de migrantes
Camila Asano
Folhear álbuns de família dos brasileiros e brasileiras com seus pais, avós ou bisavós vindos de diversas partes do globo não deixa dúvidas. A data de hoje, Dia Internacional dos Migrantes, 18 de dezembro, não deveria passar batido no Brasil.
Movimentos migratórios são inerentes à condição humana. Os contextos sociais e históricos e as histórias de vida que levam as pessoas a deixar seu lar rumo ao desconhecido são os mais variados. No destino, os migrantes devem encontrar não só o acolhimento da sociedade, mas um amparo legal que garanta a sua integração, resguardando direitos básicos, como a não-discriminação e acesso a serviços sociais básicos como educação e saúde.
Nesse sentido, este Dia Internacional do Migrante é motivo de comemoração para quem escolheu o Brasil para construir – ou até mesmo reconstruir – sua vida. No mês de novembro entrou em vigor a nova Lei da Migração (Lei 13.445/2017), que traz uma perspectiva mais coerente com os direitos humanos e com a nossa Constituição de 1988, em contraposição à legislação anterior, datada da ditadura, que via a questão migratória sob um viés de segurança nacional e totalmente discriminatório.
A expectativa é de que a nova Lei contribuirá para desburocratizar a regularização de migrantes e também consolidará o processo de concessão de vistos humanitários. No entanto, um decreto assinado pelo presidente Michel Temer no final do mês de novembro deixou em alerta quem acompanha o tema no Brasil. Termos obsoletos e preconceituosos como “imigrante clandestino” e medidas como a prisão de migrantes devido a sua situação irregular voltaram à baila, em total contrariedade com a letra da nova Lei. O artigo 123 da Lei 13.445 expressamente veda a privação de liberdade por razões migratórias.
O decreto também deixou de regulamentar uma das grandes conquistas da nova Lei: a concessão de vistos e autorização de residência por razões humanitárias. Foi sob essa prerrogativa que haitianos e sírios encontraram no Brasil um destino seguro após o terremoto e a guerra que, respectivamente, devastaram ambos os países. Ou seja, em uma canetada, o presidente se viu no direito de, ao mesmo tempo, criminalizar migrantes e prejudicar a concessão de vistos humanitários.
Preocupa demasiadamente que o atual governo entenda que um ato normativo como um decreto possa contrariar uma lei. É urgente que os dispositivos contra legem – contra o texto da lei – sejam corrigidos no decreto. E que aspectos como o visto humanitário, cuja regulamentação foi postergada, sejam construídos não mais a portas fechadas como o governo Temer tem conduzido questões migratórias.
Isso seria um sinal de respeito não só aos direitos dos migrantes, mas também a todo o processo democrático de formulação da lei, que uniu partidos, migrantes e sociedade civil, e que colocou o Brasil na vanguarda mundial da questão migratória. As tentativas do governo Temer de não acatar essa conquista social são completamente incoerentes com o respeito ao processo legislativo e com a história do Brasil, um país reconhecido pela sua riqueza cultural, fruto da interação entre diferentes povos que aqui fixaram raízes.
Camila Asano é coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
Fonte: El País