A tão esperada e necessária reformulação da lei migratória no Brasil finalmente ocorreu e aguarda a sanção presidencial. Apesar de ainda apresentar pontos problemáticos em seu conteúdo, devido à permanência de aspectos securitários, a nova lei propõe melhorias significativas e quando comparada com o Estatuto do Estrangeiro (EE), mostra-se muito mais pautada em uma lógica de direitos humanos.
Laís Azeredo Alves
A tão esperada e necessária reformulação da lei migratória no Brasil finalmente ocorreu e aguarda a sanção presidencial. Apesar de ainda apresentar pontos problemáticos em seu conteúdo, devido à permanência de aspectos securitários, a nova lei propõe melhorias significativas e quando comparada com o Estatuto do Estrangeiro (EE), mostra-se muito mais pautada em uma lógica de direitos humanos.
A construção desse projeto de Lei (PL 2516/2015), com autoria do Senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), contou com ampla participação da sociedade civil, acadêmicos, órgãos governamentais em âmbitos federal, estadual e municipal, e organizações internacionais que trabalham diretamente com a questão. A necessidade de reformular o EE é evidente, diante de sua inoperância às demandas migratórias contemporâneas e da ausência de diretrizes adequadas que geram contradições no gerenciamento das políticas.
A nova lei, se sancionada no formato atual, representaria o estabelecimento de políticas mais adequadas à própria Constituição Federal, já que o que está previsto no PL é a garantia de igualdade entre nacionais e estrangeiros. Trata-se de garantir o direito à justiça, educação, saúde, programas sociais, previdência social e serviços básicos, como a bancarização. Trata-se de tratar o imigrante como um sujeito de direitos.
As críticas concernentes a nova lei pautam-se em uma retórica frágil de que a concessão desses direitos a estrangeiros ocasionaria na precarização desses serviços. Nesse sentido, é importante lembrar que os imigrantes aqui no Brasil também trabalham, pagam impostos e, portanto, também contribuem para o Estado e para a sociedade. São seres humanos que buscam melhores condições de vida, proteção e dignidade e auxiliam no desenvolvimento desse país, que pasmem, foi construído com mão de obra estrangeira, incluindo a família do atual presidente.
A pressão de atores como a Polícia Federal, o Ministério da Defesa e o Gabinete de Segurança Institucional, entretanto, pode ocasionar vetos em trechos fulcrais para a garantia dos direitos humanos. As críticas pautam-se, basicamente, na ideia de que haverá uma fragilização da proteção fronteiriça, que facilitaria a entrada de armas, drogas e terroristas no país. Entre as sugestões à nova lei está a flexibilização do artigo que trata da deportação de imigrantes detidos pela PF nas fronteiras primárias.
Para os críticos, a permanência desse artigo representaria uma fragilização no poder da PF, já que passaria a ser necessário seguir o devido processo legal antes da deportação. A lei prevê o direito ao contraditório para impedir que pessoas em necessidade de proteção sejam deportadas para lugares onde correm risco de morte. Nesse caso, o que aparenta ter sido fragilizado é apenas a arbitrariedade da PF na decisão.
Outro trecho que está sujeito a ser vetado diz respeito à expulsão de imigrantes que cometeram crimes. O PL prevê que pessoas que entraram no Brasil antes dos 12 anos, que têm mais 70 anos e que vivem no Brasil há mais de uma década e, por fim, os que residem no país por ao menos quatro anos antes do cometimento do crime não devem estar sujeitos à expulsão. A tentativa de derrubar esse trecho e de permitir a expulsão como uma prática punitiva no cometimento de crimes apresenta aspectos de uma abordagem denominada “crimigração”, que diz respeito à assimilação da política migratória com a política criminal. Não se trata de não punir essas pessoas e de não cumprir o devido processo legal estabelecido pelo Código Penal. Trata-se de utilizar sua condição como não nacional para potencializar sua pena. Como se o fato de não ser brasileiro representasse um agravante em seu crime. Essa abordagem destoa totalmente do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê igualdade entre nacionais e estrangeiros.
Há críticas ainda ao artigo relacionado à livre circulação de indígenas em terras tradicionalmente ocupadas por eles. Trata-se de permitir que esses povos não sejam limitados pelo estabelecimento de fronteiras impostas pelos brancos e que não condizem com sua relação com a terra e com a própria CF que garante sua circulação por esses territórios. O argumento contrário é de que isso pode facilitar o tráfico de drogas. Nesse caso, que não se permita uma pérfida construção do indígena como traficante de drogas, enquanto exerce suas atividades tradicionais, no momento em que ainda buscamos os culpados pelo helicóptero que transportava 1 tonelada de cocaína.
Outro trecho sujeito a veto é o que diz respeito ao acesso a direitos e a garantias constitucionais por parte de imigrantes em situação migratória irregular. Esse trecho do PL é justamente um dos mais importantes, já que prioriza a condição do indivíduo, como sujeito de direitos, independentemente de sua relação com o Estado. A irregularidade migratória não deve ser vista como uma escolha do imigrante, que certamente não optaria por estar em situação de vulnerabilidade, mas de uma escolha do próprio Estado no exercício de sua soberania e em sua criação de homo sacer.
A nova lei não retira ou reduz o poder da Polícia Federal e das Forças Armadas no controle territorial e no exercício de suas atribuições: garantir a segurança do Estado e da sociedade. O tráfico de drogas existe devido a políticas hipócritas e ineficientes em seu trato. Na verdade, a violência gerada pelo combate ao tráfico é o que motiva o deslocamento de muitas pessoas. E quanto à possibilidade de aumento de atos terroristas, os estudos realizados até hoje nos países onde ocorreram ataques terroristas só desconstroem essa associação. Esse tipo de discurso falacioso só serve para fortalecer um estado de polícia em detrimento de um estado de direito, buscando bodes expiatórios para desviar a atenção dos verdadeiros problemas e culpados por nossas crises, que não estão fora do território, mas bastante inseridos neles e com amplos poderes.
Laís Azeredo Alves é Mestra e doutoranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Professora de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado. Membro do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI-IPPRI) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Deslocados Ambientais (NEPDA/UEPB).
Referências
BOVE, Vicenzo; BÖHMELT, Tobias. Does Immigration Induce Terrorism? The Journal of Politics 78, no. 2 (April 2016). Disponível em: <http://www2.warwick.ac.uk/newsandevents/pressreleases/study_indicates_immigration/>.
NOWRASTEH, Alex. Little National Security Benefit to Trump’s Executive Order on Immigration.Cato Institute, 2017.Disponível em: <https://www.cato.org/blog/little-national-security-benefit-trumps-executive-order-immigration>.
KURZAN, Charles. Muslim-American Involvement with Violent Extremism, 2016. Disponível em: <https://sites.duke.edu/tcths/files/2017/01/FINAL_Kurzman_Muslim-American_Involvement_in_Violent_Extremism_2016.pdf>
Fonte: Carta Capital