Ferramenta reúne informações sobre serviços de interesse da população migrante e requisitos para acessá-los; Rio de Janeiro e Boa Vista são as primeiras cidades contempladas
Por Rodrigo Veronezi
Em São Paulo (SP)
Migrantes que vivem no Rio de Janeiro e em Boa Vista contam com uma nova ferramenta de informação e serviços a partir desta quarta (6), com o lançamento do OKA, aplicativo para celular que pretende ser “uma bússola de políticas públicas” para essa parcela da sociedade.
Desenvolvido pelo Instituto Igarapé, ele reúne informações em quatro idiomas – português, inglês, espanhol e francês – sobre direitos e serviços públicos federais relacionados a moradia, educação, saúde, documentação, assistência social e assistência jurídica.
Além de apresentar os serviços existentes em território brasileiro, o aplicativo contém explicação dos requisitos necessários para acessá-los, inclusive no que diz à documentação.
Uma próxima versão do OKA deve englobar locais como São Paulo, Foz do Iguaçu e Porto Alegre. Seu nome é uma referência à palavra “oca”, que no tupi-guarani significa “lar/acolhimento”, e também uma variação da expressão “ok”, usada em países de língua espanhola.
O evento de lançamento ocorreu nesta quarta (6) no Rio, na Fundação Casa de Rui Barbosa. O app já está disponível para smartphones com sistemas Android – a versão para iOS deve sair em breve.
“Vimos a necessidade de pensarmos mecanismos para facilitar a integração e um melhor acolhimento dessa população nas nossas cidades. E tentar facilitar o acesso à informação, inclusive sobre seus direitos e políticas voltadas para uma melhor qualidade de vida”, afirma Lycia Brasil, pesquisadora da divisão de Paz e Segurança Internacional do Instituto Igarapé e que está à frente do projeto de migrações da entidade – leia a seguir a entrevista completa concedida ao MigraMundo.
Lycia explica ainda que o OKA é uma segunda fase do Observatório de Migrações Forçadas, projeto do Igarapé que usa dados e geolocalização para chamar atenção para a temática do deslocamento forçado no Brasil. Segundo a plataforma, em 18 anos o país já registrou 7,7 milhões de migrantes forçados por questões como desastres naturais, projetos de desenvolvimento, violência e refugiados – uma conta que deve subir ainda mais com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho (MG), no final de janeiro.
Além do OKA para Rio de Janeiro e Boa Vista, em São Paulo existe aplicativo Além das Fronteiras, desenvolvido com recursos da segunda edição do VAI TEC, programa da Prefeitura de São Paulo.
Por que o nome OKA? De onde veio a ideia?
O nome OKA é uma variação da expressão “ok”, bastante utilizada em países de língua espanhola. Além disso, o nome remete à palavra oca, que no tupi-guarani significa “lar/acolhimento”. O OKA é uma ferramenta positiva, pensada de forma a facilitar a integração de migrantes e refugiados no Brasil. A ideia surgiu a partir da nossa pesquisa qualitativa, e sobretudo conversas com deslocados internos.
Rio de Janeiro e Boa Vista são as cidades cobertas pelo app. Há possibilidade de expansão para outras, como São Paulo?
Na primeira fase do aplicativo, mapeamos grande parte dos programas, serviços e instituições do governo federal, ou seja, iniciativas nacionais que são relevantes para migrantes. Como o Igarapé tem sua sede no Rio de Janeiro, também começamos a disponibilizar dados sobre atendimentos mais locais (ONGs, agências internacionais e programas municipais), assim como endereços e telefones para contato. Fazemos o mesmo para Boa Vista, que concentra um grande número de venezuelanos. Na próxima etapa, esperamos estender o mapeamento de serviços locais a outras cidades brasileiras que recebem grandes fluxos de migrantes como São Paulo, Porto Alegre e Foz do Iguaçu. Para tal, estamos colhendo impressões, demandas e experiências de deslocados, refugiados e outros migrantes para que o Igarapé possa ampliar e aprimorar o aplicativo em colaboração com as comunidades relevantes.
Qual (ou quais) os maiores desafios encontrados pelo Igarapé no desenvolvimento dessa ferramenta?
Um dos maiores desafios para o desenvolvimento do aplicativo foi a elaboração da base de dados. O Igarapé aprendeu que a atualização constante das informações do projeto é necessária devido às rápidas mudanças nos decretos legais sobre migração e refúgio, muitos dos quais são específicos para algumas nacionalidades. Há também alterações rápidas nos documentos necessários para acesso a programas sociais e benefícios que exigem acompanhamento. Tudo isso demanda não apenas a atualização de informações gerais, mas também a manutenção do banco de dados e do aplicativo. No que diz respeito à parte técnica do app, hoje recebemos planilhas de acesso a dados e tempos sempre que importá-las para a nossa base. Se o governo disponibilizasse APIs de comunicação, isso facilitaria o crescimento orgânico não só do OKA mas como de outras pesquisas que precisam utilizar dados quantitativos.
Outra dificuldade tem a ver com a existência de grandes lacunas nos dados disponíveis ao público, muitos dos quais o Igarapé foi capaz de preencher através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Com as mudanças previstas no novo decreto da LAI, isso pode ser mais complexo pois foram ampliados o número de documentos considerados sigilosos.
Uma terceira lição aprendida tem a ver com a necessidade de integrar as informações no aplicativo às informações do mecanismo de pesquisa, por exemplo, os endereços de organizações relevantes e agências governamentais. Optamos por usar os aplicativos de busca de endereço já instalados no celular do usuário para fornecer tais informações.
A continuidade da ferramenta representa outro desafio, sobretudo dadas as mudanças recentes no cenário político brasileiro e as possíveis reduções na disponibilidade de dados. Por ora, estamos explorando três possibilidades: parcerias institucionais e automatização. Provavelmente a melhor solução será uma combinação dessas estratégias.
Além de migrantes (incluindo os que estão em situação de refúgio), o app também é destinado às vítimas de deslocamentos forçados internos. Há alguma ligação com o Observatório de Migrações Forçadas, já lançado pelo Igarapé?
O aplicativo é uma segunda fase do Observatório de Migrações Forçadas. Com os elevados números de deslocados internos que trouxemos à tona (7,7 milhões de brasileiros foram forçados a deixar seus lares desde 2000), somados aos de refugiados e às crescentes solicitações de refúgio, vimos a necessidade de pensarmos mecanismos para facilitar a integração e um melhor acolhimento dessa população nas nossas cidades. E tentar facilitar o acesso à informação, inclusive sobre seus direitos e políticas voltadas para uma melhor qualidade de vida.
O governo de Jair Bolsonaro anunciou a saída do Brasil do Pacto Global para a Migração. Ao mesmo tempo, renovou por mais um ano a operação de acolhida para venezuelanos no país. Nesse contexto como o Igarapé vê sua atuação em relação à temática migratória?
A abordagem do instituto enfatiza a pesquisa, o debate informado e o desenvolvimento de soluções em diálogo com outras instituições e as comunidades. Vamos continuar a produzir conhecimento, associando componentes tecnológicos e a conexão aos espaços de influência para que possamos ter resultados factíveis. No que diz respeito aos regimes internacionais, acreditamos que a cooperação internacional é essencial para a troca de ideias e para a elaboração de soluções eficazes.
Uma vez lançado o app, qual a estratégia para disseminar seu uso junto aos migrantes e às instituições que lidam com a temática migratória?
É preciso ressaltar que o app é uma ferramenta orgânica, que vai se expandir de acordo com as demandas específicas do seu público alvo. Já algum tempo o Igarapé vem explorando novas parcerias com instituições que trabalham com a temática migratória, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo e Boa Vista. Além disso, estamos em contato também com instituições que lidam com os deslocados internos no Brasil, sobretudo devido a desastres e aos projetos de desenvolvimento. Também estamos expandindo o diálogo com as lideranças de migrantes, para que eles possam dar voz às demandas específicas de cada comunidade.