A condição migratória reforça a situação de vulnerabilidade que as crianças já enfrentavam no local de origem e, à medida que os fatores de risco durante o processo de deslocamento se acumulam, mais cresce a probabilidade das crianças de desenvolverem distúrbios psicológicos
Revista Peregrino, edição janeiro/julho de 2017, n. 26 – Por Igor B. Cunha (equipe CSEM)
Apesar das crianças comporem menos de um terço da população global, atualmente é estimado que os menores em situação de refúgio já chegam a ser cerca de metade de todos os refugiados no mundo. São 28 milhões de crianças, de acordo com um relatório da UNICEF de 2016, que foram deslocadas de forma forçada por motivos de violência e conflitos internos e nas fronteiras, e outras milhões a mais tiveram de migrar em busca de uma vida mais segura[1]. A questão se torna mais sensível quando elas migram sozinhas: apenas no México, o número de crianças e adolescentes desacompanhados em trânsito aumentou 333% de 2013 a 2015[2].
A condição migratória reforça a situação de vulnerabilidade que as crianças já enfrentavam no local de origem e, à medida que os fatores de risco durante o processo de deslocamento se acumulam, mais cresce a probabilidade das crianças de desenvolverem distúrbios psicológicos[3]. Além de serem provenientes de locais em conflito ou de comporem populações em delicadas situações sociais em seus países, as crianças migrantes e refugiadas também precisam passar pelo processo de adaptação a um local com hábitos e costumes diferentes – que muitas vezes não dispõe de políticas de integração direcionadas a elas. Ademais, fatores como o próprio deslocamento forçado, exposição a diversas formas de violência e perdas de familiares devido às formas precárias de deslocamento são igualmente causadores de abalos em suas saúdes mentais[4].
Neste ano de 2017, além das crises políticas e dos inúmeros conflitos ao redor do globo, é evidente a crise de saúde mental infantil que alguns povos enfrentam devido a guerras e conflitos armados – aproximadamente 45% das crianças refugiadas sob proteção do ACNUR vieram da Síria, que vive uma guerra impiedosa há 6 anos[5], e também do Afeganistão[6], que vive conflitos internos há décadas. Os eventos traumáticos que estes jovens e crianças são forçadas a enfrentar influenciam suas percepções e expectativas pessoais, culminando em problemas emocionais, cognitivos e de desenvolvimento moral. É um desafio encontrar soluções imediatas e práticas às crianças que sofreram este tipo de trauma por tempo prolongado, como o caso das crianças deslocadas e refugiadas[7].
A garantia à educação adequada, à permanência da criança junto aos familiares e ao suporte que estes e o resto da sociedade externa devem ter para com ela são fatores de auxílio básico e alcançáveis diante dos impasses da migração e refúgio infantil. A comoção que o tema levanta quando acompanhada de ações, principalmente por parte dos trabalhadores, voluntários e organizações de contato direto com populações migrantes e refugiadas visa um melhor processo de proteção e acompanhamento adequado às crianças no contexto desta crise profundamente humanitária. Conflitos como o da Síria e Afeganistão não serão esquecidos jamais pelas crianças que os sofreram e a humanidade tem como papel fazer seus esforços para que tampouco sejam esquecidos em âmbito global, trabalhando pela perpetuação da paz e pela diminuição do sofrimento destas parcelas vulneráveis e inocentes.
[3] FAZEL, M. Stein A. The mental health of refugee children apud GARMEZY, N; MASTEN, AS. Chronic adversities. In: Rutter M, Taylor EA, Hersov LA, (eds.). Child and adolescent psychiatry: modern approaches. Oxford: Blackwell Scientific, 1994:191–208.
[4] Idem. The mental health of refugee children. Arch Dis Child 2002;87:366-70
[7] FAZEL, M. Stein A. Op. cit.