Durante a III Conferência Internacional sobre Migração e Refúgio (ICoMiR), realizada entre 19 e 22 de maio em Brasília, Pelagie participava vendendo roupas e produtos artesanais em uma banca na área externa do evento, enquanto também acompanhava algumas das palestras que ocorriam. No último dia do encontro, foi escolhida para ser uma das porta-vozes do documento final — um reconhecimento simbólico de uma trajetória marcada por luta, cuidado e esperança.
Migrante da República Democrática do Congo, Pelagie deixou o país fugindo da violência prolongada. “Estamos buscando um lugar para viver em paz. O Congo está em guerra há muito tempo. Essa situação não é boa para uma criança. Um dia pode ir para a escola, no outro não. Às vezes, ficava meses em casa. Vivi isso desde 1995 e não queria que meus filhos passassem pela mesma coisa.”
Hoje no Brasil, foi o desejo de garantir segurança e dignidade para os filhos que motivou Pelagie a migrar. Agora, ela busca reconstruir a vida por meio do empreendedorismo. “Trouxe roupas africanas para vender: casacos, calças, camisetas… É o que posso fazer agora para viver com dignidade”, conta.
Apesar das dificuldades, Pelagie encontra forças na maternidade. Mãe de oito filhos, orgulha-se especialmente das duas filhas que estudam na Universidade de Brasília (UnB). “Isso é uma ação solidária. A UnB dá oportunidade a todos. Se você tem documento e o nível necessário, pode conseguir uma vaga. Isso nos ajuda muito.” Além de serem motivo de orgulho, as filhas também têm papel ativo na rotina da mãe. Sempre que possível, ajudam com os irmãos mais novos e até nas vendas. “Quando têm um tempo livre, elas me acompanham e me ajudam com os negócios. E elas também me ajudam com o português — estão sempre me explicando palavras, me ensinando a falar melhor.”
Equilibrar o trabalho com os cuidados das crianças, no entanto, não tem sido fácil. Depois de quatro meses em um emprego formal em uma farmácia, precisou abrir mão. “Perdi cinco quilos, não conseguia dar conta de tudo. Mas não posso ficar de braços cruzados. Por isso comecei a vender o que eu sei fazer.” Em dias de folga ou nas férias escolares, ela intensifica as vendas com comidas típicas africanas.
E aprender o idioma também foi um desafio: “Lá falamos francês, lingala e outras línguas. Aqui é só português. Mas estamos aprendendo. Isso me ajuda no hospital, no mercado, na escola”, conta Pelagie durante entrevista ao Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM).
Participar da ICoMiR foi, para ela, uma experiência transformadora. “Me senti acolhida. Descobri que existem organizações que se preocupam com os imigrantes e querem garantir nossos direitos. Isso me faz bem.” O evento reuniu mais de 200 pessoas presencialmente e cerca de 800 de forma virtual, representando 30 países. Foi a continuidade das primeiras edições realizadas em Joanesburgo (2018) e Tijuana (2023). Refugiados, migrantes, acadêmicos, ativistas e representantes de instituições compartilharam experiências e reflexões em torno do tema: “Compreender, humanizar e valorizar as pessoas em mobilidade.”
Pelagie acredita que espaços como esse dão visibilidade a vozes que normalmente são silenciadas. E deixa um recado para outras mulheres migrantes: “É preciso ter coragem. Aprender a língua, buscar oportunidades, confiar que há pessoas boas aqui. Sempre existe um jeito de viver melhor.”