No dia 12 de outubro no Brasil é celebrado o Dia das Crianças, geralmente marcado por presentes, distribuição de brinquedos, algodão doce, pula-pula, contação de histórias, entre outros elementos utilizados para celebrar essa data. Histórias como a da Chapeuzinho Vermelho, a Cinderela e a Branca de Neve e os Sete Anões ou mais recentemente com a nova geração de princesas, Frozen e Moana, povoaram o imaginário infantil e também dos adultos.
Mas, quem conta essas histórias? Quem as escuta? Neste Dia das Crianças o CSEM em Foco nos convida a conhecer outra história, ou melhor, outras histórias, que muitas vezes misturam essas fantasias e a realidade vivida por crianças que tiveram suas trajetórias impactadas pela migração.
O CSEM teve a oportunidade de conversar com Luciana Hartmann, antropóloga, Professora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília e Coordenadora da Rede Infâncias Protagonistas: migração, arte e educação. O objetivo da Rede é propor políticas públicas que promovam o acolhimento de crianças imigrantes e refugiadas em escolas brasileiras. Para isso, as pesquisadoras da Rede privilegiam as linguagens artísticas e a escuta das narrativas das crianças migrantes, entendendo que as crianças também são agentes do processo migratório.
O tema das crianças migrantes, de acordo com Marinucci (2014), até poucos anos atrás não era muito explorado academicamente. Os estudos migratórios eram pautados em teorias mais economicistas e não se interessavam em olhar para as crianças, que segundo o autor, estaria associado ao fato de esse ser um grupo pouco envolvido no mundo do trabalho. Contudo, essa realidade tem se modificado, as estatísticas demonstram um crescimento no número de crianças migrantes que se deslocam acompanhando os seus pais ou desacompanhadas para cumprir seus projetos migratórios.
Ouvir as histórias das crianças nos permite compreender como elas lidam com a migração, com o deslocamento, as diferentes tradições culturais e, principalmente, como se dá a sua vivência no país receptor. Segundo a Profa. Luciana Hartmann, a criança quase nunca é consultada dentro dos projetos migratórios, mas é a primeira a ser institucionalizada por meio da escola no país de chegada, e a partir daí, com o aprendizado da língua, muitas crianças passam a acompanhar seus familiares, nos casos das que migram acompanhadas, como intérpretes.
À medida que as crianças vão trazendo as histórias, muitas vezes misturando elementos da cultura de origem, fantasia e as experiências vivenciadas no presente, segundo a professora, é possível perceber a agência delas nesse contexto. Ao mesclar esses elementos, as crianças além de falar sobre algo vivido, apontam para as transformações, possibilidades e leituras de mundo. Por isso a importância de destacar o seu protagonismo através das histórias. É ouvindo as crianças que podemos entender aspectos específicos do fenômeno migratório, relacionados às suas experiências (Hartmann, 2018), mas que também podem iluminar aspectos mais amplos da migração.
Outro elemento de destaque ao trabalhar o protagonismo e a agência das crianças migrantes, de acordo com a Professora, é que essa perspectiva não enfatiza o papel de vítima, trazendo a criança como agente de sua própria subjetividade, capaz de tomar decisões e de produzir interpretações sobre a sua realidade, “o que não significa desconsiderar todas as vulnerabilidades e ausência de direitos, mas sim entender como é que as crianças conseguem articular isso na vida cotidiana, subverter, jogar com isso”. Dentro das atividades propostas pelo projeto há um cuidado em não apenas chamar as crianças para participar de uma atividade específica, no projeto ela é protagonista dos processos criativos e decisórios também.
Um exemplo de atividade conduzida pela Rede foi a produção de um livro de histórias com as crianças da Casa Bom Samaritano, Centro de acolhimento da missão MSCS em Brasília. O livro “Pasito a pasito, cruzando fronteras: histórias de crianças venezuelanas” é resultado de uma produção conjunta com as crianças, cujas histórias foram gravadas, transcritas e depois editadas e ilustradas. Além do livro, a Rede também produziu o podcast “Migracontos: um podcast feito com crianças do mundo”, que apresenta diversas histórias contadas pelas crianças participantes do projeto.
A Rede Infâncias Protagonistas existe desde 2022 e como missão visa contribuir com a criação e implementação de políticas públicas voltadas para as crianças, principalmente no que diz respeito à inclusão nas escolas. A escuta das crianças, conforme evidenciado por Pastore e Hartmann (2023, p. 2) é essencial na produção de políticas públicas para a infância, porque “garante o reconhecimento da criança a partir de suas referências, vivências e experiências, como sujeito de direito”.
A entrevista com a Profa. Luciana Hartmann foi disponibilizada na íntegra no Podcast do CSEM “Migração em Foco”, não deixe de conferir aqui.
Conheça a Rede Infâncias Protagonistas no link:
https://www.infanciasprotagonistasunb.com.br
Link para o livro “Pasito a pasito, cruzando fronteras: histórias de crianças venezuelanas”:
https://www.infanciasprotagonistasunb.com.br/livros-infanto-junevis
Link para o Podcast “Migracontos: um podcast feito com crianças do mundo”: https://open.spotify.com/show/5PLIJL25lqTJTGJx2Rjg1p
Referências bibliográficas:
HARTMANN, Luciana. Vozes em diáspora: como crianças imigrantes contam suas histórias. Revista del Museo de Antropología, v. 11, n. 1, p. 83-90, 2018 . Disponível em: <https://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1852-48262018000200010&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 30.07.2024.
MARINUCCI, Roberto. Editorial. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 22, n. 42, 2014. DOI: 10.1590/S1980-85852014000100001.
PASTORE, Marina Di Napoli; HARTMANN, Luciana. Escuta de crianças deslocadas como sujeitos de direito em Moçambique e Brasil. Linhas Críticas, v. 29, p. e50651, 2023. DOI: 10.26512/lc29202350651.