Hospitalidade radical como eixo das lutas migrantes

Em uma região marcada por desigualdades históricas, racismo estrutural e múltiplas formas de exclusão, a hospitalidade na América Latina assume um papel que vai muito além de um gesto caritativo. Para a pesquisadora e defensora de direitos humanos Janik Amarela Varela Huerta, trata-se de uma prática radical, coletiva e profundamente transformadora — tanto para quem acolhe quanto para quem é acolhido.

Com base na experiência de pesquisa-ação e no trabalho direto com comunidades em mobilidade, Amarela abordará o tema “Um diálogo entre as luchas migrantes: as luchas por hospitalidade na América Latina”, no dia 20 de maio, às 18h15, durante a terceira edição da Conferência Internacional de Migração e Refúgio – ICoMiR.

Em entrevista ao CSEM, a pesquisadora dos direitos migrantes aprofundou algumas das reflexões que nortearão a conferência, discutindo temas fundamentais como escuta, dignidade e hospitalidade enquanto prática política, além de destacar a hospitalidade radical como eixo das lutas migrantes e o potencial de transformação social.

De acordo com a palestrante, a hospitalidade deve ser entendida como um verdadeiro campo de disputa política, onde memórias, narrativas, ações e resistências se entrelaçam. Trata-se de um processo ativo de construção coletiva, capaz de promover uma integração social baseada na dignidade e no acesso efetivo aos direitos.

“A hospitalidade radical na América Latina é um exercício. Para mim, é uma forma concreta de lutas migrantes. É uma maneira de pensarmos no conjunto de ações, narrativas, perspectivas e memórias sobre o exercício de abraçar o caminhar das pessoas migrantes.

Trata-se de construir espaços de refúgio, de segurança, de certezas no caminho dessas pessoas. De trabalhar por um antirracismo e por lógicas de acessibilidade aos direitos humanos, aos direitos coletivos, aos direitos ao bem viver.

Isso é o que eu definiria como integração social real: que os migrantes possam acessar o direito ao trabalho, à saúde, à educação, ao direito de permanecer e pertencer, uma vez que decidam ficar nos lugares até onde conseguiram chegar.”

Ao acompanhar de perto as trajetórias dos migrantes, Amarela destaca que é possível identificar tanto as lacunas existentes quanto as oportunidades concretas para a efetivação dos direitos: “Observar o percurso migrante nos revela como se pode concretizar a reivindicação legítima desses direitos”.

“O desafio não é falar, é ser escutado”

Para a conferencista, é urgente romper com práticas acadêmicas que tratam os migrantes como meros objetos de estudo, reconhecendo-os como sujeitos de memória, pensamento e resistência. Escutar, nesse contexto, é mais do que uma atitude empática — é um compromisso político com a dignidade.

“A resposta sempre existiu. Queremos e precisamos falar. A questão é: quem está disposto a exercer uma escuta radical? É necessário que academia, organizações humanitárias e defensores se concentrem menos em falar por nós e mais em criar as condições materiais para que essas vozes possam ser ouvidas em igualdade.”

Ela também destaca que a hospitalidade deve ser compreendida como um ato político coletivo, e não como caridade. É, segundo ela, um processo de reumanização que questiona e desnaturaliza as violências direcionadas às pessoas migrantes:

“É um processo de reumanização. Um caminho para desnaturalizar a violência — em especial, aquela dirigida às pessoas migrantes. O exemplo das companheiras do coletivo Las Patronas, em Veracruz, mostra como, ao acolher, elas também transformaram as próprias vidas, se tornando defensoras e dignificando as próprias trajetórias.”

América Latina no debate global de migrações: pluralidade, experiências e criação política local

Janik Amarela Varela Huerta destaca que a região latino-americana possui tradições profundas de solidariedade, redes comunitárias e lutas sociais que oferecem contribuições valiosas ao debate global sobre migração. No entanto, ela ressalta que, apesar dessas experiências compartilhadas, não existe um modelo único ou universal para lidar com os desafios migratórios. 

Cada comunidade e cada processo deve desenvolver a própria imaginação política e práticas, respeitando a pluralidade e as especificidades locais. “Podemos participar da discussão global e oferecer pistas importantes, mas cada povo precisa desenvolver a própria imaginação política e práticas de hospitalidade de acordo com o contexto”, ressalta a entrevistada

E destaca, por fim, a importância da pluralidade e da criação a partir dos territórios: “Encontros como este servem para que conheçamos os esforços e a imaginação política de luta de outros espaços e territórios. Mas é muito importante renunciar à universalidade dos discursos. Cada um faz o que pode, de coração, com o que tem, nos lugares onde habita”, conclui.

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