ONGs denunciam que decisão condena centenas de pessoas a ‘túmulo’ no Mediterrâneo
RIO – As organizações não governamentais SOS Mediterranée e Médicos Sem Fronteiras (MSF) informaram neste domingo que a Autoridade Portuária do Panamá decidiu retirar a bandeira do país sob a qual navega o Aquarius, único navio não ligado a nenhum governo que trabalha no resgate de migrantes à deriva no Mediterrâneo. A decisão significa que uma vez que o navio chegue a um porto, ele terá a atual bandeira retirada e não poderá mais operar até que encontre uma nova bandeira.
Em comunicado, as ONGs denunciam que a medida foi resultado de pressão econômica e política da Itália e “condena centenas de homens, mulheres e crianças desesperados para alcançar segurança a um túmulo aquático”. No texto, ambas organizações também pedem que os governos europeus permitam ao Aquarius continuar sua missão, seja assegurando as autoridades panamenhas que as supostas ameaças do governo italiano não serão cumpridas ou registrando nova bandeira para que o navio possa continuar a navegar na região.
No comunicado, as ONGs relatam ainda que neste sábado a equipe a bordo do Aquarius “ficou chocada” ao receber comunicação oficial das autoridades panamenhas informando que o governo italiano pediu “ação imediata” contra seu trabalho. Na mensagem, a Autoridade Portuária do Panamá explicou que “infelizmente é necessário que (o Aquarius) seja excluído de nosso registro, pois isso implica em um problema político para o governo panamenho e a frota panamenha que chega aos portos europeus”.
De acordo com as organizações, a decisão foi tomada mesmo com o navio cumprindo todos os padrões marítimos e técnicos necessários para navegar sob a bandeira do Panamá. No comunicado, elas afirmam ainda que esta ação é “prova adicional do quão longe o governo italiano está disposto a ir” para atrapalhar seu trabalho, mesmo sabendo que “a única consequência é que as pessoas continuarão a morrer no mar e nenhuma testemunha estará presente para contar os mortos”.
— Os líderes europeus parecem não ter pudor em implementar táticas cada vez mais abusivas e perniciosas que servem aos seus próprios interesses à custas de vidas humanas – disse Karline Kleijer, chefe de emergências da MSF. — Nos últimos dois anos, os líderes europeus dizem que as pessoas não devem morrer no mar, mas ao mesmo tempo seguiram políticas perigosas e mal informadas que levaram a crise humanitária no Mediterrâneo central e na Líbia a uma nova piora. Esta tragédia tem que acabar, mas isso só acontecerá se os governos da União Europeia permitirem ao Aquarius e outras embarcações de resgate continuarem a prestar assistência onde ela é tão desesperadamente necessária.
EM 2018, 1.250 MORTOS NO MEDITERRÂNEO
Ainda segundo as ONGs, desde o início do ano mais de 1.250 pessoas se afogaram enquanto tentavam cruzar o Mediterrâneo central, com aqueles que tentam fazer a travessia agora correndo um risco três vezes maior de morrer afogados do que os que faziam a mesma viagem em 2015. Elas destacam também que o número real de mortos provavelmente é muito maior, já que nem todos naufrágios e afogamentos são testemunhados e registrados pelas autoridades ou agências da ONU. “Esta subnotificação é representada por naufrágios como um que aconteceu no início de setembro no qual estima-se que pelo menos cem pessoas se afogaram”, diz o texto.
— Cinco anos depois da tragédia de Lampedusa, quando a Itália deflagrou sua primeira operação de busca e resgate em grande escala, as pessoas ainda estão arriscando suas vidas para fugir da Líbia e a taxa de mortes no Mediterrâneo central explodiu – disse Sophie Beau, vice-presidente da SOS Mediterranée. — A Europa não pode renunciar aos seus valores fundamentais.
A notícia da retirada da bandeira Panamenha chegou ao Aquarius enquanto a equipe do navio está envolvida em nova missão de busca e resgate no Mediterrâneo. Nos últimos três dias, o navio deu assistência a duas embarcações em dificuldades e agora tem 58 sobreviventes a bordo, muitos dos quais psicologicamente abalados e fatigados pela viagem no mar e fuga da Líbia, e que precisam ser desembarcados num lugar seguro como dita a Lei Marítima Internacional.