Regulamentação da Lei de Migração: entre receios e esperanças

idi braProcesso pode atenuar ou mesmo agravar os vetos já realizados no texto que foi sancionado

Processo pode atenuar ou mesmo agravar os vetos já realizados no texto que foi sancionado

Em novembro (provavelmente no dia 21) o Brasil começa oficialmente a contar com uma nova Lei de Migração (Lei 13.445/2017), aprovada em abril passado pelo Congresso Nacional e sancionada no mês seguinte. Mas os vetos feitos pela Presidência no ato de sanção da lei (23 ao todo) lançaram um sinal de alerta para toda a comunidade organizada em torno da temática migratória.

Ainda houve um movimento de indivíduos e entidades da sociedade civil para tentar derrubar no Congresso os vetos presidenciais. No entanto, o Legislativo não alterou uma linha sequer do que foi sancionado no fatídico 24 de maio. Entre os principais vetos estão:

Anistia para migrantes que ingressaram no Brasil sem documentos até 6 de julho de 2016;
Conceito de “migrante” – a lei sancionada conta apenas com as definições de “imigrante”, “emigrante”, “residente fronteiriço”, “visitante” e “apátrida”
revogação das expulsões de migrantes decretadas antes de 1988;
livre circulação de povos indígenas entre fronteiras nas terras tradicionalmente ocupadas por eles;
extensão da autorização de residência a pessoas sem vínculo familiar direto;
dispensa do serviço militar de brasileiros por opção ou naturalizados que cumpriram obrigações militares em outro país;
direito dos migrantes de exercer cargo, emprego ou função pública
concessão de visto ou de autorização de residência para fins de reunião familiar a outras hipóteses de parentesco, dependência afetiva e fatores de sociabilidade
Definição que considera como grupos vulneráveis: solicitantes de refúgio; requerentes de visto humanitário; vítimas de tráfico de pessoas; vítimas de trabalho escravo; migrantes em cumprimento de pena ou que respondem criminalmente em liberdade; menores desacompanhados.
Para Luis Renato Vedovato, doutor em Direito Internacional pela USP e professor na Unicamp, esses vetos indicam que a interpretação das normas da nova lei de acordo com os direitos fundamentais pode não ser o horizonte do governo. “A regulamentação poderá trazer entraves para os direitos declarados, além do fato dela poder ser omissa em alguns pontos”.

Espaço para diálogos?

Sem mais a possibilidade de rever os vetos, o foco total passa a para a regulamentação da Lei de Migração. Em torno de 30 artigos dependem de outros projetos legislativos ou decretos presidenciais para se tornarem válidos.

Esse processo é motivo de expectativa e preocupação para a sociedade civil, que tem feito uma série de eventos e debates para tratar do assunto. A regulamentação tanto pode atenuar como aprofundar os efeitos das dezenas de vetos, dependendo do rumo que ela tomar. “Há que se ficar atento para que a regulamentação não se afaste do coração da nova lei, que é a proteção aos direitos fundamentais”, aponta Vedovato.

No entanto, o espaço para dialogar sobre o tema diretamente com o governo federal, responsável pela regulamentação, tem sido diminuto. O único evento público desde a sanção presidencial a permitir esse contato direto foi a consulta feita por meio da atividade presencial do Fórum de Participação Social, no último dia 4 de agosto. O evento, organizado pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e pelo Ministério do Trabalho, teve como objetivo coletar sugestões do público presente para a regulamentação da nova lei.

Os participantes da atividade – entre representantes da sociedade civil e do poder público, e migrantes – elaboraram um total de 68 propostas. Ao final, o presidente do CNIg, Hugo Gallo, disse esperar que o Conselho consiga fazer uma nova atividade presencial do Fórum no final do ano, com a Lei de Migração já em vigor e regulamentada. Ele afirmou ainda que as propostas apresentadas “foram de alto nível” e vão subsidiar as discussões já em curso no Executivo sobre a nova lei.

No entanto, atividades como a que ocorreu em 4 de agosto devem continuar a ser raridade. Em julho passado, entidades protocolaram um documento junto ao Ministério da Justiça pedindo uma reunião do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil sobre ações de Migração e Refúgio (CASC-Migrante), da Secretaria Nacional de Justiça (e vinculado ao Ministério da Justiça). Criado no final de 2013, o CASC poderia ser um dos canais de diálogo junto à pasta, uma das mais envolvidas com a temática migratória no governo federal. Esse conselho chegou a ser ampliado em 2014, no principal ato concreto do último dia da Conferência Nacional de Migrações e Refúgio (Comigrar), mas não voltou a ser convocado desde então.

Procurado pelo MigraMundo, o Ministério da Justiça informou que “não há intenção de realizar audiência ou consulta pública no momento” sobre a Lei de Migração. Por outro lado, fontes ouvidas pelo MigraMundo informaram que o Ministério da Casa Civil tomou para si a tarefa de convocar consultas e audiências quando e da forma que julgar mais conveniente.

Pressão para manter conquistas

Apesar dos vetos presidenciais, a nova Lei de Migração ainda é considerada uma conquista dos movimentos sociais, dos migrantes e de entidades da sociedade civil organizada. Ela tem como paradigma principal a visão do migrante como um sujeito de direitos e deveres – ao contrário do Estatuto do Estrangeiro (revogado a partir de novembro), que vê todo e qualquer não-brasileiro como uma ameaça à soberania nacional.

Para Letícia Carvalho, assessoria de incidência política da Missão Paz e participante ativa no processo de tramitação da nova Lei de Migração, esses pontos não foram comprometidos pelos vetos e permitem retomar avanços que ficaram de fora no ato da sanção do texto final. “Temos de olhar sempre para o rol de princípios e garantias para os migrantes que estão na lei e que foram nela mantidos. Muitas das saídas para manter essas garantias ainda estão no conteúdo da lei e que não foram vetados”.

Há ainda possibilidade da lei entrar em vigor sem que o processo de regulamentação esteja finalizado, o que a deixaria dependente da interpretação que quem for aplicá-la – por exemplo, a Polícia Federal, que lida diretamente com os migrantes no seu dia a dia.

Vedovato vê como fundamental a continuidade da mobilização que marcou a tramitação da Lei de Migração no Congresso Nacional para evitar novas perdas além dos vetos. O caminho sempre é o da pressão feita pela sociedade civil”.

Letícia destaca ainda a importância que os coletivos e associações formadas por migrantes podem ter nesse processo. “Justamente agora com a lei de Migração e com a não proibição da atividade política, estamos entrando em um momento novo. Todos esses grupos que já existem e os que ainda vão se formar são de extrema importância para o debate, para que a nova lei venha a ser aplicada e que as normas ali presentes se transformem em demandas que tragam mudanças para a sociedade e para a vida de cada um deles”.

Fonte: migramundo.com

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