Vistos de residência emitidos a brasileiros até julho de 2019 quase superam total de 2018; migrantes dizem gostar da liberdade e modo de vida uruguaio
Se os dados do acompanhamento feito pelo Itamaraty já mostravam que a procura dos brasileiros pelo Uruguai como novo lar cresceu 38% entre 2016 e 2018, os registros mais atuais do Departamento de Residências do Ministério de Relações Exteriores do país vizinho indicam que a corrente migratória se acelera ainda mais em 2019.
Entre janeiro e julho de 2019, o Uruguai emitiu 1.591 vistos de residência fixa para brasileiros. Os dados foram enviados pela pasta a pedido do R7. O número de documentos concedidos no período já representa 94% do total de 2018 — quando foram emitidos 1.686 vistos.
Uma das brasileiras que se mudou recentemente para o país vizinho é a goiana Raquel Sales, de 31 anos — que chegou a Punta del Diablo, a 298 km de Montevidéu, em dezembro de 2018.
“Me mudei com meu marido e minha filha de dois anos porque queríamos criá-la longe de grandes centros urbanos. Em Goiânia, sinto que trabalhávamos muito para ter dinheiro e ficávamos sem tempo para fazer as coisas que gostávamos”, explica Raquel, que, no Brasil, atuava como professora de biologia.
A brasileira e o marido Savio conheceram Punta del Diablo — um povoado com cerca de 2.000 habitantes — em uma viagem de férias há cerca de três anos.
“Desde então, tínhamos planos de mudar para cá, mas resolvemos adiantar o processo com a ascensão de um governo de extrema-direita no Brasil. Somos ativistas na área ambiental e sabíamos que as coisas iam mudar”, pontua.
A facilidade no processo legal de migração — os vistos de residência foram solicitados ainda no Brasil, em 2018, e emitidos quando a família já morava no Uruguai — também contou a favor.
“Pretendo ainda revalidar meu diploma e fazer mestrado. Por ora, já atuamos em alguns projetos na área do meio ambiente e meu marido é professor de capoeira. Muitas coisas conseguimos na base da troca também, porque no Uruguai as relações interpessoais são muito diferentes, todos se ajudam muito”, diz Raquel.
país vizinho, ela cita os gastos com alimentos. “Aqui em Punta del Diablo, todos são muito caros em comparação aos preços praticados no Brasil. Por isso, uma vez por semana cruzamos a fronteira e vamos a Chuí, no Rio Grande do Sul — que fica a aproximadamente 30 km — para comprar frutas, verduras, etc.”
Voltar definitivamente, entretanto, parece fora de cogitação. “Só de férias”, diz a brasileira. “Tínhamos casa própria e emprego e nos mudamos para cá para viver, nos primeiros meses, em uma barraca. As pessoas achavam que estávamos loucos. Mas não me arrependo e faria tudo de novo”, completa.
Em Montevidéu
Diferentemente de Raquel e sua família, a maior parte dos brasileiros que migram para o país vizinho se estabelece na capital, Montevidéu.
É o caso do jovem Jonas Rossatto, de 30 anos, que se mudou em dezembro de 2017 para empreender no ramo canábico — o Uruguai legalizou a maconha para uso recreativo em 2013.
“O meu contato com a cannabis e seu uso começou em 2006. De lá para cá, já participei de fóruns, montei portais de notícias sobre o tema e até ajudei a levar o debate ao Senado brasileiro”, aponta o paranaense, que participou da primeira discussão sobre o tema na Comissão de Direitos Humanos da Casa, em 2014. “Decidi vir ao Uruguai para atuar neste mercado porque tinha um know-how muito grande e já era conhecido no meio.”
Entre os empreendimentos de Rossatto no país, ganham destaque dois aplicativos. “Um trabalha diretamente com as farmácias que vendem cannabis, oferecendo aos consumidores a possibilidade de reservar a compra online e retirar no dia seguinte. O outro funciona da mesma forma nos clubes canábicos [onde as pessoas se reúnem para produzir e distribuir maconha]”, detalha.
Embora o brasileiro reforce que no Uruguai existe “mais liberdade individual, as pessoas não questionam o que você faz ou deixa de fazer, a menos que prejudique diretamente alguém”, o retorno para o lado de cá da fronteira não é uma opção descartada. “Pretendo voltar sim, sou filho único, minha família está aí e não arreda o pé. Mas vai depender muito da situação do Brasil.”