Mobilidades do grupo Warao transcendem a condição migratória no país
Com o agravamento da crise política e econômica na Venezuela no ano de 2014, o Brasil, assim como países vizinhos da América do Sul, começou a presenciar fluxos de migração do povo indígena Warao. Vindos do Nordeste venezuelano, o grupo vivia em comunidades de palafitas nas zonas ribeirinhas da região e seu êxodo territorial se dá desde a década de 1970 para os centros urbanos do país, causado por fatores como o represamento do rio Manamo, o que resultou na deterioração das condições de subsistência da etnia, além da progressiva invasão de suas terras por agricultores e pecuaristas.
Indígenas Warao em Boa Vista, Roraima. Foto: Amazônia Real/Yolanda Simone (CC)
Os Warao são a etnia indígena mais antiga do Delta do Orinoco (Venezuela) e mesmo vivendo em ambiente urbano desde o início de seu êxodo, o grupo procura manter os aspectos de sua cultura. Em Boa Vista, onde se encontra o maior número de integrantes do grupo, os indígenas foram recebidos a priori em um abrigo gerido pela ONG Fraternidade Humanitária Internacional em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e pelo Exército Brasileiro por meio da Operação Acolhida.
Entre 2014 e 2016 a Polícia Federal deportou 532 indígenas a pedido da prefeitura de Boa Vista, que atendeu à solicitação de populares descontentes por eles estarem pedindo ajuda pela cidade – atividade organizada pelo grupo desde sua chegada aos centros urbanos da Venezuela como estratégia de sobrevivência. Seu deslocamento para o setor laboral se deu por meio de mão de obra não qualificada, além da venda de artesanatos produzidos.
Essa situação de expulsão irregular do grupo é recorrente. Roberto Portela, voluntário da Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Goiânia e leigo da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo-Scalabrinianas (MSCS), conta que na cidade goiana de Anápolis, entre novembro e dezembro de 2019, trinta e três pessoas pertencentes ao povo Warao alocados na região foram expulsos por ordem da Prefeitura, mesmo após recomendação de acolhimento do Ministério Público Federal. O caso transcende eventuais protocolos de atuação com população migrante devido às particularidades do grupo e reações por parte da sociedade, demandando proteção jurídica específica.
Segundo André Paulo dos Santos Pereira, Promotor de justiça de Roraima e professor da Universidade Federal do Estado (UFRR), em entrevista ao ConJur, o artigo 231 da Constituição Federal reconhece aos povos indígenas o direito de organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e à terra tradicionalmente ocupada, apesar de os Warao não possuírem terras no território brasileiro, isto não impede o exercício dos demais direitos, já que estes não são condicionados ao locus físico. Além disso, a lei que criou a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e o decreto que regula seu estatuto não restringe sua atuação somente a indígenas de nacionalidade brasileira. No Amazonas, após atuação do MPF atendendo ao apelo da sociedade civil, o Ministério da Cidadania repassou recurso de 1,8 milhão de reais para o atendimento humanitário aos migrantes da comunidade Warao.
A necessidade de um interlocutor que compreenda o contexto sociocultural do grupo é ressaltada pelo voluntário Roberto Portela, pois entende que falta preparação para o acolhimento desses migrantes, que possuem formas de contato e comunicação com pessoas de fora de seu grupo social diferentes. Portela relata ainda que os Warao tendem a preferir que apenas um interlocutor interaja com pessoas de fora do grupo, o que restringe o contato direto com a maioria da população.
Atualmente a preocupação se volta à possível contaminação dos povos indígenas pelo Novo Coronavírus, em meio a pandemia que assusta o mundo. Em entrevista à BBC, a médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) diz que há chances consideráveis de que o vírus chegue a grupos indígenas, e que medidas de contenção são necessárias também pensando nesses povos.
Saiba mais
A REMHU (Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana) publica periodicamente artigos com rigor científico, relatos e resenhas sobre temas acerca da mobilidade humana. Alguns dos textos já publicados foram sobre a temática indígena na migração. Confira alguns na íntegra e de forma gratuita:
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Texto por: Luana G. Silveira
Equipe de Comunicação – CSEM